Obra, que será
lançada nesta segunda-feira (20), detalha episódio ocorrido há 20
anos, quando pelo menos 12 pessoas morreram em uma fazenda em
Rondônia.
20/07/2015
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Crédito: Eliseu Rafael de Sousa | |
Correu
muito sangue no dia 9 de agosto de 1995 em Corumbiara, Rondônia, "no
interior do interior do Brasil", como já definiu o jornalista João
Peres, que nesta segunda-feira (20) apresenta o livro Corumbiara, Caso Enterrado (Editora
Elefante). O lançamento será a partir das 19h, no Ateliê do Gervásio
(Rua Conselheiro Ramalho, 945, Bela Vista, região central de São Paulo).
Com reportagem fotográfica de Gerardo Lazzari, a obra trata de um
episódio emblemático do país, mas como quase sempre esquecido nas
desmemórias brasileiras.
Na madrugada daquele 9 de agosto, a
Polícia Militar, por ordem judicial, entrou no acampamento que
trabalhadores sem terra haviam organizado desde 15 de julho na fazenda
Santa Elina – uma propriedade de 18 mil hectares, uma imensidão dentro
da imensidão da Região Norte. "Onde sobram exploração e fome, sobra
gente disposta a ocupar", escreve o autor no primeiro capítulo.
Morreram pelo menos 12 pessoas, sendo nove posseiros, dois policiais e
um não identificado, de acordo com o Ministério Público. Ainda hoje o
número exato causa divergência, assim como o julgamento provoca
polêmica.
Foram quatro anos de trabalho extenso desde que o
repórter conheceu um dos personagens do caso, Claudemir Gilberto Ramos,
um sem-terra condenado pelo episódio. "O foragido da injustiça", como
se apresentou quando se conheceram, um encontro nervoso. "Por que os
sem-terra foram condenados? Por que um aceitou o veredicto e o outro,
não? Por que, entre tantos réus possíveis, Claudemir foi escolhido? São
muitas pontas soltas", diz Peres. "É hora de andar por Rondônia."
Nesse tempo, ele andou por muitas terras, falou com muitas gentes, de
trabalhadores a promotores, de militantes a policiais.
Na obra,
entende-se que a ditadura está na origem do que se tornaria Corumbiara,
entre tantas outras zonas de conflito. "Sem o convite do regime para
que pobres e latifundiários se encontrassem em uma terra de baixa
presença institucional, os fatos da Santa Elina jamais teriam
ocorrido", diz a Editora Elefante no texto de apresentação. Um dos
personagens do livro vem daquele período: ganhou do governo militar uma
área de 43 mil hectares, um quarto do município de São Paulo, foi alvo
de operações de combate ao trabalho escravo e se tornou suspeito de
presentear um policial envolvido na operação da Santa Elina.
Ligando os pontos
Medo
e angústia tomavam conta de Claudemir em sua vida na clandestinidade.
Foi nessa condição que um ativista sindical, atuando como intermediário
para que ele pudesse começar a tornar pública a sua história,
apresentou o sem-terra à reportagem da
Rede Brasil Atual. Em abril de 2011, o caso foi
tema de reportagem na
Revista do Brasil, a partir de entrevista do trabalhador ao site da
RBA, onde Peres então trabalhava, e à
TVT.
Foi
o início de um longo trabalho de reconstituição da história do Brasil,
com os pés em uma região mais falada do que conhecida, mais esquecida
do que pensada. Jornalista com passagens por várias redações, João
Peres atualmente é sócio-diretor na Agência Página Três e editor no
blog Nota de Rodapé. O fotógrafo Gerardo Lazzari, argentino radicado no Brasil, é também colaborador frequente da RBA e da Revista do Brasil.
Na
entrevista – a primeira desde aquela época –, Claudemir contou que não
sabia quando foi a última vez que viu as filhas e a mãe. Na visão da
Organização dos Estados Americanos (OEA), o episódio representa um erro
cometido pelo Brasil devido às execuções realizadas por policiais e ao
júri repleto de inconsistências.
"A tensão que acompanha
jornalistas em apurações sobre questões agrárias na Amazônia é grande.
No geral, vai-se a locais com baixa presença institucional do Estado e
com uma cultura de violência e justiçamento. O Brasil é um dos países
com piores índices de assassinato de profissionais de imprensa, segundo
ranking elaborado anualmente pela organização Repórteres Sem
Fronteiras", diz o autor em texto na Agência Pública. Segundo ele,
acompanhar um caso ocorrido em uma frente de desmatamento para iniciar a
apuração que desaguaria no livro "não foi uma decisão prudente".
Talvez
não, mas a história brasileira ganha mais uma contribuição. "João
Peres ouviu testemunhas de todos os lados, consultou documentos,
reconstituiu a tragédia. Em suma, desenterrou a história", comenta o
jornalista Mário Magalhães, em seu blog.
"Há um certo
esquecimento sobre o caso de Corumbiara. A questão agrária no Brasil
como um todo perdeu muita força nestas duas primeiras décadas do século
21. Ainda assim, o grau de ignorância sobre os fatos ocorridos na
Santa Elina parece mais profundo, se considerarmos o tamanho da questão
em número de mortos e de perguntas não respondidas", afirma João Peres
em entrevista ao site Amazônia Real.
"O que pude
concluir é que há alguns motivos para que isso ocorra. Um problema
central reside no fato de os sem-terra que ocuparam a fazenda não
pertencerem a nenhum movimento organizado. Depois do caso, eles
receberam vários convites, é claro, mas à época estavam desconectados de
qualquer instituição com mais peso. É diferente de Eldorado do
Carajás, em que o MST teve alguma força para construir sua narrativa
por meio de trabalhos acadêmicos e jornalísticos", acrescenta o autor.
Ele destaca ainda a distância de Corumbiara, inclusive em relação à
capital de Rondônia, e as dificuldades do jornalismo atual, em termos
de custos, para realizar reportagens de fôlego. O livro supera essas
barreiras.
"O local onde ocorreu o conflito só não virou um
prédio porque está no meio do mato. Só não virou pasto porque não foi
necessário. Só não virou soja porque é inclinado. Aqui escorreu sangue.
Faz tempo. Já lavou. Hoje é mato até a cintura, picando as mãos,
ajudando a esquecer. Poderia ser um pedaço de ex-floresta como qualquer
outro, mas está tudo aqui: o morro de onde os sem-terra atiraram e
morreram, o córrego que serviu como divisa natural do acampamento e por
onde muitos escaparam, o espaço onde ficavam as barracas."
fonte: http://www.brasildefato.com.br